Racismo, Colonialidade e a Construção da Subjetividade Negra

“O preto não é. Não mais do que o branco.
Todos os dois têm de se afastar das vozes desumanas de seus ancestrais respectivos, a fim de que nasça uma autêntica comunicação. Antes de se engajar na voz positiva, há a ser realizada uma tentativa de desalienação em prol da liberdade. Um homem, no início de sua existência, é sempre congestionado, envolvido pela contingência. A infelicidade do homem é ter sido criança. É através de uma tentativa de retomada de si e de despojamento, é pela tensão permanente de sua liberdade que os homens podem criar as condições de existência ideais em um mundo humano. Superioridade? Inferioridade? Por que simplesmente não tentar sensibilizar o outro, sentir o outro, revelar-me outro?”
(FANON, 2008, p. 191)

A colonização e o racismo estrutural impactam profundamente a psique das pessoas negras, afetando sua identidade e subjetividade. Esse processo de dominação não se limitou ao físico, mas também foi cultural e simbólico, desumanizando os povos negros e escravizados. Corpos negros foram reduzidos a mercadorias, alienados de suas culturas, línguas e histórias, resultando em uma autoimagem distorcida e marcas psicológicas que persistem até hoje.

A Psicopatologia do Racismo e a Alienação da Identidade Negra

Frantz Fanon destaca que o racismo gera uma psicopatologia racial que afeta tanto negros quanto brancos: enquanto os primeiros vivenciam sentimentos de inferioridade e alienação, os segundos constroem uma identidade de superioridade baseada na negação da humanidade do outro. Assim, a libertação das pessoas negras deve ir além da luta política e econômica, abrangendo um processo profundo de cura psicológica e cultural.

A higienização dos corpos negros também foi historicamente utilizada como ferramenta de exclusão social. Movimentos eugenistas e higienistas promoveram a ideia de que o progresso dependia da “limpeza” racial, associando corpos negros à marginalização e à indesejabilidade. Esse controle se estendeu às relações afetivas, estigmatizando o amor entre negros e restringindo sua expressão da sexualidade.

Afeto, Branqueamento e Resistência

As políticas de branqueamento reforçaram a noção de que os corpos negros precisavam ser “corrigidos” por meio da miscigenação, desvalorizando identidades negras e promovendo sua assimilação forçada. Essa perspectiva desumanizou e objetificou os corpos negros, tornando o afeto entre eles um ato de resistência contra as normas racistas estabelecidas. 

As relações inter-raciais, por sua vez, também são marcadas por dinâmicas de poder oriundas da colonização e do racismo. O desejo pelo corpo negro, muitas vezes fetichizado, carrega os resquícios do passado colonial. Mesmo hoje, casais inter-raciais enfrentam preconceitos e discriminações, refletindo estruturas de poder que moldam a sociedade. A identidade híbrida dos filhos dessas relações também evidencia as complexidades do pertencimento racial em um mundo ainda estruturado pela supremacia branca.

Descolonização do Afeto e Construção da Subjetividade Negra

O pensamento de Fanon nos convida a refletir sobre as cicatrizes deixadas pela colonização e a necessidade de uma reconstrução identitária que vá além da dicotomia superioridade/inferioridade. O afeto, nesse contexto, se torna um espaço de luta pela dignidade, subjetividade e igualdade.

A construção da subjetividade negra passa pelo rompimento com as estruturas de opressão que tentam definir o que é ser negro a partir da ótica colonizadora. Valorizar a autonomia das relações afetivas e reconhecer a importância do afeto entre pessoas negras são passos fundamentais para a emancipação e fortalecimento da identidade negra.

Conclusão

O racismo estrutural molda subjetividades e relações sociais, perpetuando desigualdades que ainda precisam ser enfrentadas. A desalienação proposta por Fanon nos desafia a desconstruir as bases da colonialidade e buscar uma existência autêntica, onde o reconhecimento do outro não seja mediado por hierarquias raciais, mas sim por uma humanização mútua. 

Referências

FANON, Frantz. *Pele negra, máscaras brancas.* Tradução de Renato da Silveira. 1. ed. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 191.