Colonialidade, Corpo-Território e Descolonização dos Afetos

“Temos compreendido que nosso corpo também é um território, também compõe o território que sofre com as violências coloniais (GRIJALVA, 2018). Assim como o agronegócio explora, exaure e esgota a terra, também o capitalismo, o racismo, a transfobia e as demais violências nos exploram nosso corpo-território, de tal maneira que se faz necessário um reflorestamento também do nosso imaginário e da forma como guiamos os afetos e desejos. Para reflorestar nosso pensamento-corporificado é importante que primeiro reconheçamos que a colonização não só não acabou, como continua afetando-nos de maneira íntima e profunda.”

A atualização das colonialidades e das violências sobre corpos e relações na contemporaneidade evidencia a permanência das normas coloniais, cujas raízes estão profundamente entrelaçadas à imposição do catolicismo durante a colonização. Esse processo não apenas estruturou rígidas normas de gênero e sexualidade, mas também impôs a monogamia e a heteronormatividade como ideais inquestionáveis. Assim, a colonialidade do poder se estendeu aos corpos, regulando não apenas práticas sociais, mas também afetos e desejos.

A Colonização dos Corpos e a Imposição da Monogamia

Nos povos indígenas originários das Américas, era comum a existência de práticas relacionais e afetivas que não se restringiam à monogamia nem ao binarismo de gênero. Essas sociedades reconheciam diferentes tipos de vínculo afetivo e sexual, integrando essa pluralidade às suas cosmologias. O corpo e o desejo eram expressões de uma liberdade vivida coletivamente, sem a lógica de controle que posteriormente seria imposta pelo colonizador.

A chegada do catolicismo e a colonização representaram uma violenta ruptura dessa diversidade relacional. O corpo passou a ser visto como algo a ser disciplinado e higienizado conforme as normas cristãs. A monogamia, nesse sentido, tornou-se um instrumento de controle colonial, reprimindo práticas afetivas originárias e impondo uma visão moralista que marginalizava a diversidade relacional dos povos indígenas.

Descolonizar os Afetos: O Resgate da Pluralidade

Contrapor as práticas monogâmicas colonialistas às relações não monogâmicas dos povos indígenas é essencial para compreender que as normas contemporâneas de relacionamento não são naturais ou universais, mas sim construções sociais impostas que serviram a interesses de dominação. A não monogamia, quando resgatada em diálogo com a ancestralidade indígena, torna-se um instrumento de descolonização afetiva e uma crítica radical à colonialidade das relações. 

Esse movimento de resgate, no entanto, deve ser feito com responsabilidade, evitando apropriações superficiais ou romantizações. O reconhecimento das tradições e práticas dos povos originários como expressões de existência e resistência não apenas descoloniza nossos afetos e corpos, mas também questiona a permanência das normas católicas coloniais, propondo formas de relacionamento baseadas no respeito, na autonomia e na pluralidade.

Conclusão

A colonização continua a moldar nossas relações de forma íntima e profunda, impactando a maneira como os corpos são percebidos, disciplinados e marginalizados. A descolonização dos afetos exige um olhar crítico sobre as normas impostas e um compromisso com a valorização das pluralidades relacionais. Apenas através desse reconhecimento podemos construir formas de existência que rompam com a lógica opressiva da colonialidade e celebrem a diversidade em sua plenitude.

Referências

NÚÑEZ, Geni; OLIVEIRA, João Manuel de; LAGO, Mara Coelho de Souza. *Teoria e Cultura.* Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, v. 16, n. 3, p. 86, dez. 2021. ISSN 2318-101X (on-line), ISSN 1809-5968 (print).