Expectativas, Sentimentos e a Ilusão do Controle: Entre o Desejo e o Medo de Sofrer

Quando sentir parece demais…

Esses dias, durante uma sessão, ouvi de um paciente adulto que seus pais evitavam contar a ele sobre o estado de saúde deles. O motivo? Ele seria “muito emotivo”, alguém que “sente demais”, que “chora fácil”. E, portanto, deveria ser poupado para que sua sensibilidade não se tornasse ansiedade.

Naquele momento, algo me tocou profundamente. Parecia que, mais uma vez, a sensibilidade era tratada como um problema — um defeito a ser corrigido, uma fraqueza a ser contida. Como se sentir com intensidade fosse uma falha. Como se fosse possível — ou desejável — não sentir.

Essa fala me levou a refletir sobre um tema que aparece com frequência na clínica: o medo das emoções e, especialmente, o medo de criar expectativas. A tentativa constante de proteger-se do sofrimento evitando sentir demais, esperar demais, desejar demais.

Expectativas: criar é inevitável

A psicanalista Ana Suy escreve com precisão desconcertante sobre isso:

“Sem expectativas, a gente não vai nem até a esquina. Pois, afinal, que motivos teríamos para viver se não esperássemos nada da vida? (…) É preciso fantasiar para desejar. E se nada funcionar, dá-lhe elaborar lutos.”

Ou seja, esperar algo da vida não é fraqueza, é movimento vital. Criar expectativas não é um erro, é parte do nosso funcionamento psíquico. Mesmo quando dizemos “não quero esperar nada para não me decepcionar”, já estamos criando uma expectativa — a expectativa de não esperar, de não sofrer.

É uma armadilha sutil: na tentativa de nos protegermos da frustração, acabamos presos na ilusão de que conseguimos controlar a dor. E, como nos lembra Suy, esse medo de perder pode nos fazer perder ainda mais. O medo de sofrer muitas vezes nos leva a evitar viver.

A castração não é punição — é estrutura

Outro trecho marcante do pensamento de Ana Suy diz:

“A castração está aí para a gente bancá-la e pagar o preço disso, e não para sofrer por evitá-la. É por medo de perder que mais se perde. É por medo de sofrer que mais se sofre.”

Na linguagem psicanalítica, a castração não é algo a ser temido — ela representa o limite, a impossibilidade, aquilo que nos lembra que nem tudo será como desejamos. E, paradoxalmente, é isso que dá forma ao nosso desejo.

Ao aceitar que a realidade não cumpre todas as nossas fantasias, podemos nos mover. Desejar de outro lugar. Elaborar perdas, frustrações, rupturas. Mas, para isso, é preciso parar de tratar o sofrimento como algo que deve ser evitado a todo custo. Sofrer faz parte de sentir. Sentir faz parte de viver.

Na clínica e na vida: conter ou criar?

No consultório, é comum ouvir frases como:

“Tenho medo de criar expectativas.”

“Não quero esperar nada para não me decepcionar.”

“Prefiro não sentir demais para não sofrer.”

E, às vezes, eu mesma percebo que entro nesse discurso. Talvez como forma de acolher, talvez tentando oferecer alívio. Mas a verdade é que essa promessa de proteção raramente se cumpre. Sofrimento não se evita com controle emocional. Ao contrário: muitas vezes, a repressão do sentir só amplia a angústia.

A vida atravessa. Os afetos nos alcançam. E não há contenção que dê conta do que insiste em pulsar.

Expectativas também nos criam

Ana Suy fecha sua reflexão com uma provocação potente:

“No fim das contas, não somos nós que criamos as expectativas, mas elas que nos criam. Para além disso, o que seria essa ideia de não criar expectativas, senão também mais uma expectativa? Que sejamos mais criativos.”

Criar expectativas é parte de sermos humanos. Mas talvez o convite seja outro: não é parar de esperar, e sim esperar com criatividade. Abrir-se para o que é possível, para o que não se cumpre, para o que se transforma. Lidar com a frustração como parte do caminho, e não como sinal de fracasso.

A expectativa não precisa ser uma prisão. Pode ser um impulso. Um projeto. Uma fantasia que nos move. E quando ela não se realiza, é possível criar de novo, desejar de novo, recomeçar — sem precisar parar de sentir.

Em vez de conter, que possamos acolher

Sentir não é um problema. Sofrer também não. O problema talvez esteja em fingir que conseguimos evitar isso.

Que possamos, como diz Ana Suy, ser mais criativos com nossas expectativas. Reconhecê-las, acolhê-las, permitir que nos criem — e seguir vivendo com mais coragem, mais desejo e mais presença.