A Cisgeneridade em Questão: Colonialidade, Identidade e Resistência Trans

 “Ao desafiarmos a estrutura de pensamento cisnormativa, é comum que as reações que recebamos sejam de ansiedade e nervosismo. A tranquilidade com que a narrativa cisgênera, uma narrativa que se mascara enquanto natural, se proclama legítima é ameaçada quando o corpo trans a questiona, a põe em dúvida. O Outro é sempre uma ameaça, pois sempre pode mostrar ao colonizador as verdades que este procura esconder sobre si.” (PFEIL; PFEIL, 2022)

A cisgeneridade é amplamente aceita como o padrão normativo de identidade de gênero, sendo tratada como natural e universal. No entanto, essa normatividade é historicamente construída e reforçada por estruturas coloniais e sociais que impõem um modelo binário e fixo de gênero. Quando pessoas trans afirmam suas existências e desafiam essa estrutura, expõem a arbitrariedade dessas normas, provocando desconforto e resistência por parte da sociedade cisgênera.

A Fragilidade da Cisnormatividade e o Desconforto com a Nomeação

A cisgeneridade se mantém como referência através de mecanismos de exclusão e apagamento das identidades trans. O simples fato de nomeá-la já representa uma ameaça ao seu status de neutralidade. A reação de desconforto e até de ofensa de pessoas cisgêneras ao serem chamadas de “cis” demonstra a fragilidade dessa identidade, que se sustenta na presunção de que ser cisgênero é a norma inquestionável.

A ofensa e a marginalização das pessoas trans são estratégias para reafirmar a dominação da cisgeneridade. Ridicularizar ou deslegitimar existências trans reforça essa hierarquia, garantindo que corpos dissidentes sejam mantidos à margem. No entanto, a própria necessidade de reprimir e silenciar as identidades trans evidencia que a cisgeneridade não é tão estável quanto aparenta ser.

Colonialidade e Gênero: A Construção do Pensamento Binário

Compreender essas questões por meio da colonialidade permite perceber que a luta das pessoas trans não ocorre isoladamente, mas faz parte de uma disputa maior por reconhecimento e poder. O pensamento binário de gênero foi reforçado pela modernidade ocidental e pelo colonialismo, que impuseram categorias rígidas de identidade como forma de controle social. Esse modelo, ao negar a fluidez de gênero presente em diversas culturas ancestrais, consolidou um sistema de exclusão que ainda persiste.

As sociedades indígenas e africanas pré-coloniais possuíam formas mais flexíveis de entender o gênero, permitindo expressões diversas que não se encaixavam nas concepções ocidentais de masculinidade e feminilidade. No entanto, a colonização impôs normas cristãs e patriarcais, reprimindo essas existências e consolidando a cisnormatividade como padrão universal.

Resistência Trans e a Disputa por Narrativas

A simples existência de pessoas trans desafia um sistema que se apresenta como absoluto, mas que, diante da diversidade humana, revela suas limitações. Ao reivindicarem suas identidades, pessoas trans não apenas lutam por direitos individuais, mas também questionam a estrutura colonial que define quem pode existir plenamente na sociedade.

A resistência trans, portanto, não se restringe a questões individuais, mas representa uma batalha coletiva contra um sistema que busca apagar identidades dissidentes. Nomear a cisgeneridade, expor sua artificialidade e reivindicar espaços legítimos de existência são formas essenciais de luta contra a colonialidade do gênero.

Conclusão

A cisnormatividade se sustenta em um pacto silencioso que a trata como natural e inquestionável. No entanto, sua reação à simples nomeação revela sua fragilidade e dependência da exclusão das identidades trans. Questionar essa estrutura e reconhecer a colonialidade do pensamento de gênero são passos fundamentais para uma sociedade mais justa, onde todas as identidades possam existir sem medo e sem a necessidade de validação por padrões hegemônicos.

Referências

PFEIL, B. L.; PFEIL, C. L. A cisgeneridade em negação: apresentando o conceito de ofensa da nomeação. Revista de Estudos em Educação e Diversidade – REED, v. 3, n. 9, p. 7, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.22481/reed.v3i9.11170. Acesso em: 18 de fevereiro, 2025.